sábado, 9 de abril de 2011

Histórico Escolar

Se eu pudesse - quisesse, vai...! - expor meu histórico escolar, não o faria baseado em notas, mas sim em COMO me comportei durante todos esses anos. Todas as vezes em que fui para a diretoria por ter batido em um colega de classe porque ele me chamou de qualquer coisa que não vou me lembrar agora, mas que me deixou com raiva e me fez espancá-lo. As vezes em que matei aula, pulei as grades ou simplesmente saí pela porta da frente por ter ludibriado a "tia" que cuidava da porta. Quando ajudei um grupo de meninos a pular a grade do porão quando as inspetoras em peso estavam atrás deles. E as vezes em que alguém resolveu pegar no pé de um aluno em especial - no caso: a sala inteira.

Sim. Havia aquele menino, quieto, introvertido, mal falava com as pessoas. Sempre o último a ser escolhido no futebol - talvez por isso ele nem jogasse. Costumava ficar sozinho no intervalo, andando pelos cantos da escola - literalmente. Nenhuma menina se interessava por ele, nem ao menos os professores falavam com o garoto. Tanto que, quando ele saiu da escola, ninguém percebeu até o meio do ano. E ninguém soube explicar o motivo. Muito menos se interessaram em saber.

Esse guri era o alvo dos comentários mais absurdos e protagonista das cenas mais bizarras que poderiam ser sequer imaginadas. Eu só me lembro dele por causa disso. Mal podia compreender as palavras que ele dizia - língua enrolada é foda, mas a falta de vontade em abrir a boca piorava tudo - a menos que ele gritasse. E ele gritava. Ninguém podia tocar nele que ele se jogava ao chão gritando de dor, "ele me bateu, ele me bateu, ai, ai.ai...!" e os professores iam em seu socorro. Brincávamos, fingíamos auto flagelação, ele realmente se machucava, olhava pra gente buscando sorrisos, implorando aceitação. Até o dia em que, na missa na Catedral da cidade em homenagem ao aniversário da escola, ele explodiu. Sentado ao lado do altar, enquanto estava ocorrendo a missa, sobrepondo a voz do padre, ele não resistiu às provocações e proferiu em alto - MUITO ALTO MESMO - e bom som - por incrível que pareça - as palavras de baixo calão que selaram a sua saída da escola no ano seguinte e nunca mais a escola fez uma missa em horário de aula. Sim, ele gritou uma frase gigante, recheada de impropérios que fariam Dercy Gonçalves ruborizar. Todos aqueles que estavam sentados próximo a ele se esconderam nos bancos, deixando o rapaz enfrentar o olhar fulminante e as palavras ríspidas do pároco, sozinho, como se ele simplesmente quisesse ter falado aquilo. Entre lágrimas incessantes, ele ouviu de cabeça baixa tudo o que o padre disse - e não foi pouca coisa. Os professores censuravam seu silêncio com olhares frios, superiores, ignorando todos aqueles que estavam deitados nos bancos, se escondendo, rindo da situação - eu inclusive.

Quem nunca foi vítima de uma piada extremamente idiota na escola? Oras, ninguém! Piadinhas infames fazem parte do processo da escola. O fato de ser vesgo, usar óculos, ter um nariz maior, dente maior, usar aparelho, ser gordo demais, magro demais, muito branco, muito preto, menstruar e manchar a calça, falar o que não deve na hora errada... inúmeras possibilidades. Todo mundo é zoado na escola. Qual é o limite disso? Nunca saberemos.

Hoje eu sei que esse rapaz poderia ter entrado na escola atirando em todo mundo. O que o impediu? Nem sei. Não sei nem se ele está vivo hoje. Especularam que ele saiu porque estava doente, porque queria estudar na escola da cidade dele, mas ninguém soube ao certo o que aconteceu. Hoje eu sei que ele poderia ter atirado em todo mundo. Hoje sei que ele, se ainda estiver vivo, ele pode fazer uma loucura.

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